11.9.07

O Hipopótamo

Abri os olhos. O quarto já estava claro. Achei que alguma coisa estava estranha. Virei de lado e olhei o relógio na cabeceira: 7:20h.

O silêncio. Era isso que estava estranho. Há essa hora em geral ela já estava acordada, conversando alegremente na sua língua inteligível, com os amigos invisíveis que moram na sua imaginação.

Ela ainda dormia. Levantei, andei até seu quarto e vi que ainda profundamente. “Merda” pensei, “justo hoje que preciso sair mais cedo”.

Já há algum tempo nossas manhãs cumprem quase sempre o mesmo ritual. Ela acorda sempre antes de mim e com seu tagarelar animado me acorda. Eu fico ainda um tempo na cama e depois vou até seu quarto. Ela então olha na minha direção e sorri satisfeita com a minha presença. Me aproximo mais e ela estica os braços pra mim. Eu e pego no colo e ela encosta sua cabeça em meu ombro e envolve meu pescoço com os braços. Suas mãozinhas brincam com meu cabelo.

Sorrio pra ela e pergunto: “cadê o upa da mamãe?” ela ri mais e me aperta com seus bracinhos, encostando de novo a cabeça em mim. Depois eu a deito em minha cama, deito ao seu lado e dou sua mamadeira abraçadinha a ela. Ela acaba de mamar e ri cutucando o pai que dorme do outro lado. Ela adora ficar entre a gente. Brinca indo de um para outro até que saímos para deixá-lo dormir mais um pouco.

Brincamos no chão da sala e depois vamos para a cozinha tomar café. Eu como pão e faço seu suco, ela brinca, ri, dança, “conversa” e come biscoitos. Vamos tomar banho e ela acha graça quando coloco a touca. Ficamos um pouquinho brincando embaixo d’água, fazendo desenhos na parede do box, brincando com os vidros de xampu, cantando.

Eu a enxugo e brinco de secar seus cabelos sacudindo sua cabeça enquanto ela ri divertida. A essa hora a babá já chegou e está com tudo pronto para levá-la ao seu passeio diário na pracinha. Ela fica animada para sair e brincar e vai toda feliz.

Da cozinha ouvi que se virava de um lado para o outro como faz quando começa a despertar (essa audição de perdigueiro adquiri após a maternidade). Acabei de preparar a mamadeira e cheguei no quarto a tempo de vê-la começar a piscar os olhinhos. Ao piscar um pouco mais acordada e me ver ela sorriu como sempre e ficou logo de pé para nosso “upa” matinal.

Dei a mamadeira em minha cama como sempre mas levantei e fui para o banho sozinha. Ela começou a protestar mas logo o pai a distraiu e ficaram os dois me olhando no banho.

Fui me vestir e ela me acompanhava com os olhinhos o tempo todo., visivelmente apreensiva. Chegou a se divertir quando fui secar os cabelos e brinquei jogando vento em seu rostinho.

Me aproximei dos dois e os beijei. Ela tentou vir para o meu colo, o pai a segurou e pronto. Ela me olhou, verdadeiramente magoada. Fez beicinho e começou a ficar vermelha. E finalmente chorou. Um choro sentido, como eu nunca tinha ouvido antes.

Tentei confortá-la mas o pai garantiu que era melhor eu sair logo que ela pararia. Praticamente fugi de casa, esqueci inclusive a chave na porta. Não sei em quanto tempo ela parou.

Entrei no ônibus me joguei no banco próximo a janela e a abri. Coloquei o rádio no ouvido tentando me distrair. Não dava. Aquele hipopótamo sentado no meu peito não me deixava respirar direito. Nem relaxar, nem esquecer, nem chorar. Eu só conseguia sentir aquele peso.

E então a babá ficou doente e eu tive que deixá-la com o pai e sair antes dela durante uma semana inteira.


E foi assim que o hipopótamo passou a me fazer companhia até o trabalho.




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